Parte 4
“Devido
à total ausência de controle central sobre a produção, produzimos
uma imensa quantidade de coisas de que não precisamos. Mantemos
ociosa uma parcela considerável da população trabalhadora, que se
torna dispensável justamente porque se impõe o sobretrabalho à
outra parcela. Quando esse método se revela inadequado, fazemos a
guerra: colocamos um monte de gente para fabricar explosivos e outro
tanto para explodi-los, tal como crianças que acabaram de descobrir
os fogos de artifício. Combinando todos esses mecanismos, somos
capazes, ainda que que com alguma dificuldade de manter viva a noção
de que uma grande quantidade de trabalho manual é o quinhão
inevitável do homem comum.
Movimentar
a matéria em quantidades necessárias à nossa existência não é,
decididamente, um dos objetivos da vida humana. Se fosse, teríamos
de considerar qualquer operador de britadeira superior a Shakespeare.
Fomos enganados nessa questão por dois motivos. Um é a necessidade
de manter os pobres aplacados, o que levou os ricos a pregarem,
durante milhares de anos, a dignidade do trabalho, enquanto tratavam
de se manter indignos a respeito do mesmo assunto. O outro são os
novos prazeres do maquinismo, que nos delicia com as espantosas
transformações que podemos produzir na superfície da Terra. Nenhum
desses motivos exerce um especial fascínio sobre o verdadeiro
trabalhador. Se lhe perguntarmos qual é a melhor parte de sua vida,
ele dificilmente responderá: 'É o trabalho manual, que sinto como a
realização da mais nobre das tarefas humanas, e também porque fico
feliz em pensar na capacidade que tem o homem de transformar o
planeta. É verdade que meu corpo precisa de horas de descanso, que
procuro preencher da melhor forma, mas meu maior prazer é ver raiar
o dia para poder voltar ao trabalho, que é a fonte da minha
felicidade.' Nunca ouvi nada do gênero saindo da boca de nenhum
trabalhador. Eles encaram o trabalho como deve ser encarado, uma
forma de ganhar a vida, e é do lazer que retiram, aí sim, a
felicidade que a vida lhes permite desfrutar.”
Interpretação
“Devido
à total ausência de controle central sobre a produção, produzimos
uma imensa quantidade de coisas de que não precisamos.”
Acredito
que entrando num shopping ou visitando os centros decadentes de
muitas cidades (atingidas pelo consumismo) a frase encaixe
perfeitamente - sem mais comentários.
“Movimentar
a matéria em quantidades necessárias à nossa existência não é,
decididamente, um dos objetivos da vida humana.”
Alguém
acredita que a finalidade da existência é pura, simplesmete (e
apenas) ter moradia, comida, bebida, transporte e saúde? Não quero
dizer com isso que a distribuição deva ocorrer. Apenas quero dizer
que, uma vez que todo ser humano tenha o necessário para a
subsistência digna, existe oceano de profundeza abissal para ser
desvendado. Um oceano intelectual, moral, espiritual.
“Um
é a necessidade de manter os pobres aplacados, o que levou os ricos
a pregarem, durante milhares de anos, a dignidade do trabalho,
enquanto tratavam de se manter indignos a respeito do mesmo assunto.”
Essa
frase demonstra que quem mais prega menos pratica. É a sociedade da
forma em detrimento do conteúdo.
“Nunca
ouvi nada do gênero saindo da boca de nenhum trabalhador. Eles
encaram o trabalho como deve ser encarado, uma forma de ganhar a
vida, e é do lazer que retiram, aí sim, a felicidade que a vida
lhes permite desfrutar.”
As
pessoas tem medo de falar ou concordar com a afirmativa acima por uma
simples razão: vivemos numa DITADURA PULVERIZADA, que vigia,
controla e registra cada ato e pensamento dos indivíduos. A própria
sociedade adotou esse modo de vida, poupando o esforço das
autoridades em manter o consumo enfermo e as relações
mercantilistas a todo vapor.
(continua...)
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