Parte 2
"Se
o assalariado comum trabalhasse quatro horas por dia, haveria
bastante para todos, e não haveria desemprego – supondo-se uma
quantidade bastante modesta de bom senso organizacional. Essa ideia
choca as pessoas abastadas, que estão convencidas de que os pobres
não saberiam o que fazer com tanto lazer. Nos Estados Unidos, os
homens costumam trabalhar longas horas, mesmo quando já desfrutam
uma ótima situação, e ficam sinceramente indignados com a ideia do
lazer para os trabalhadores, a não ser na forma do castigo cruel do
desemprego. Na verdade, eles rejeitam o lazer até para os seus
filhos. De um modo muito estranho, ao mesmo tempo que desejam que
seus filhos trabalhem tanto que não tenham tempo de se civilizarem,
esses homens não se importam que suas esposas e filhas não se
dediquem a trabalho algum.
A
inutilidade esnobe, que nas sociedades aristocráticas se estende a
ambos os sexos, numa plutocracia é limitada às mulheres. Isto porém
não torna a inutilidade mais de acordo com o bom senso."
Interpretação
“Se
o assalariado comum trabalhasse quatro horas por dia, haveria
bastante para todos, e não haveria desemprego”
Essa
afirmação não é solitária e encontra muitos adeptos. J.M. Keynes
– Prêmio Nobel da economia do Século XX e teorizador do Estado de
Bem-Estar social – foi (e ainda é) um dos maiores defensores da
redução da jornada para a solução de diversas chagas sociais,
culturais e ambientais. [leiam o discurso “Perspectivas Econômicas
para nossos Netos”, de 1930, proferido por Keynes em Madrid].
Aparentemente
radical ou utópica – porém nunca implementável – para a grande
maioria da humanidade, essa proposta é analisada detalhadamente por
Russell num capítulo específico de seu livro, explicando o porquê
da necessidade de redução de jornada.
Não
pretendo entrar em detalhes porque não conheço a fundo o pensamento
desse grande acadêmico e humanista, mas posso esboçar algumas
ideias e desmistificar os lugares-comuns adotados pelos “realistas”
e “práticos” que abundam no mundo.
O
primeiro ponto é o seguinte: graças a mecanização e a automação,
há cada vez menor necessidade de manter as pessoas presas em
trabalhos repetitivos e perigosos. Isso inculsive se aplica aos
trabalhadores de escritório, com ensino superior e/ou pós-graduação.
O único (e mais evidente) motivo para manter as pessoas presas
GRANDE PARTE de seus dias numa tarefa que não requer tanto está no
fato de que atrelou-se a SOBREVIVÊNCIA do trabalhador ao LUCRO da
empresa.
LUCRO
→
SOBREVIVÊNCIA DO “GRUPO” →
GARANTIA DE EMPREGO →
POSSIBILIDADE DE VIVER DIGNAMENTE
Dessa
forma, uma pequena redução da (dita) produtividade causaria uma
perda de competividade da empresa, e com isso suas vendas decairiam e
a receita seria diminuida – gerando corte de vagas. Esse argumento,
aparentemente coerente e pleno de razão, contém uma série de
erros.
O
primeiro erro é que esse tipo de análise desconsidera a
NÃO-LINEARIDADE da produtividade. Ou seja, ficar mais horas dentro
de um lugar não irá gerar mais. Especialmente se o trabalho for do
tipo criativo – como desenvolvimento, pesquisa, artes, ensino,
decoração, etc.
Segundo
erro: a análise desconsidera a MULTIDIMENSIONALIDADE humana. Cada
vez mais os jovens afirmam e seguem a filosofia de não se prender a
uma atividade a vida inteira. E consciente ou inconscientemente,
seguem o rumo do progresso – que, apesar de alguma desorientação
em alguns campos, é o melhor que pode-se ter atualmente. Reduz-se o
tempo na fábrica para que a pessoa possa exercer outras
POTENCIALIDADES e VERTENTES de sua vida. Algumas delas são a:
Afeitividade
Sociabilidade
Atividades
físicas
Viagens
Estudos
diversos (línguas, música, artes, filosofia, espiritualidade...)
Cultura
e Lazer (esportes, teatro, shows, concertos, cinema,...)
Essas
áreas são FUNDAMENTAIS para o desenvolvimento de um ser humano. E
demandam tempo. São inclusive geradoras de RIQUEZAS INTANGÍVEIS.
Ter pouco tempo e praticamente uma ninharia de energia para se
dedicar a elas é, a meu ver, a causa primária da INEFICIÊNCIA que
impera na maioria dos meios de trabalho.
Não
é possível esperar que um ser humano dê o máximo de si sem que
sua vida afetiva, social, sua saúde e suas necessidades básicas
estejam em ordem.
O
terceiro erro é que conseguiu-se inculcar (a fundo) na mente de
muitas pessoas a ideia de que a finalidade de tudo é a geração de
lucro e o crescimento econômico 'ad infinitum'. Qualquer pessoa de
bom senso percebe a incoerência desse objetivo. E – pior de tudo –
infelizmente estamos profundamente atrelados a essa lógica.
A
humanidade vem construindo um edifício com fundações frouxas
(desde o fim do Estado de Bem-Estar, na década de 70, 80,...). Um
modelo de vida tão atraente quanto inacessível é apresentado a
muitos. E para quem consegue atingi-lo, logo logo percebe que a
felicidade ganha é temporária. E que essa felicidade é
insustentável. Internamente e globalmente – daí a razão de ser
temporária.
A
finalidade do ser humano não deve ser o ganho.
A
economia deve servir a sociedade. Não o contrário. As suas tem suas
finalidades e são essenciais. Mas os fins e os meios não estão em
seus devidos lugares nas mentes de muitos a muitas. Isso deve ser
mudado.
(continua...)
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