sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

O SABER: ESQUECIDO, ENCOBERTO OU SITIADO?

Saiu na BBC: Os 85 mais ricos do mundo têm o mesmo patrimônio de metade da população – mundial1. "Este fenômeno global levou a uma situação na qual 1% das famílias do mundo são donas de quase metade (46%) da riqueza do mundo", afirmou o documento. Esse é o fato. Provindo de um órgão que opera no epicentro do mundo industrial-financeiro. Um fato reproduzido pelas mídias de vários países, de todas tendências possíveis. Consenso geral.

Sobre o fato pouco há o que se dizer. Portanto não perderei tempo em reproduzir estatísticas que só comprovam o que muitas pessoas vem sentindo nas últimas décadas – exclusivamente e especialmente as mais pobres. Agora, quanto às consequências de tal realidade, que tende a se intensificar, já começam a haver divergências. Quando passamos às causas, essas divergências começam a se tornar astronômicas, levando a diversas consequências e propostas de solucionar essa realidade.

Noam Chomsky. Estudo e trabalho pela humanidade. 86 anos.
50 lecionando no MIT. Atualmente se dedica 100 h por semana entre
palestras, entrevistas, artigos, livros, estudos e investigações.
Ainda em atividade. Sua ocupação assim exige.
Porque não é uma ocupação escravizante e ilusória. 
A Edição 197 da Revista CULT traz uma matéria muito esclarecedora sobre a situação2. O autor esmiúça filosoficamente a questão, se dirigindo ao sentimento sincero do leitor, e não apresentando dados e equações e teorias econômicas e referências de “sumidades” no assunto – pessoas bem abastadas, com voz na mídia, que fizeram as mais diversas previsões que se revelaram falsas. O artigo é uma visão que o mundo, em sua maioria, sem saber o porquê, julga irrealista e utópica. Porque “a realidade é assim”, e “basta ver como são as coisas”. Portanto, de nada adianta lutar contra algo que está na natureza humana. Eis o argumento aparentemente irrefutável lançado contra aqueles que ousam investigar e assumir uma posição que em sua forma pode se aparentar com o passado, mas que em sua substância, à medida que percebemos o transformismo e relativismo de nosso mundo, RESGATA as idéias do passado, OBSERVA o presente e VISLUMBRA possibilidades concretizáveis.

Em agosto publiquei um artigo intitulado “Dois Tipos de Utopia”3. Sua essência é justamente revelar às pessoas o emborcamento que o mundo faz em relação aos vocábulos “utopia” e “realidade”. Podemos definir uma idéia, conceito ou pessoa com essas palavras considerando o curto prazo e o longo prazo; as mudanças substanciais (duráveis) ou na forma (efêmeras); abrangendo grandes unidades coletivas ou um seleto grupo. É claro que a classificação de uma idéia, conceito, teoria, indivíduo ou grupo num campo implica na sua classificação inversa no outro. Lei de Equilíbrio (Pietro Ubaldi).

"Dois Tipos de Utopia": revisão de conceitos.
Vou exemplificar: quando alguém deseja se formar médico, deverá necessariamente se dedicar por vários anos. Mas isso é consequência de seu interesse na área. Quanto mais sincero for esse alguém, e mais consciente sua decisão, maior o grau de dedicação e (também) maiores as dificuldades. Tentará aplicar a medicina de uma forma que transcenda a atual, baseada unicamente no passado e considerando apenas o material. Vislumbrará possibilidades e as tentará, mesmo falhando. Porque ficar no plano atual e obter sucesso nele é muito mais cômodo do que perceber as dores cada vez mais incômodas no mesmo e se lançar (sinceramente e conscientemente) a novas descobertas, ousando e inovando. Pois bem, esse ser será considerado utópico pela maioria das pessoas, instituições, seus colegas, familiares, e até esposa (ou esposo). Mas quando um dia – e a História está repleta desses exemplos – alguém implementa uma idéia, comprova uma teoria e expande um conceito inaceitável há poucos anos, o mundo se alivia, se satisfaz e glorifica esse ser. Mas esse é apenas o último elo de uma cadeia que foi edificada com muito sangue, lágrimas, suor e trabalho. Um esforço tido como louco, radical, insensato e perigoso em suas origens. Logo o utopista de ontem se tornou o realista de hoje. E o realista de ontem se tornou uma nulidade que contribuiu com a inércia do mundo.

É claro que o progresso é obra de poucos seres4. Nem poderia não sê-lo. No entanto, o que me preocupa mais (e cada vez mais gente) é a pouca atenção que as pessoas dão a essas vozes insistentes, construtivas e incansáveis – Chomsky trabalha 100 horas semanais e lecionou no MIT por meio século, isto é, 50 anos. A taxa de conscientização deve superar a taxa de progresso científico-tecnológico para que a humanidade como um todo possa resolver os seus problemas, e consequentemente o de todas espécies e recursos deste planeta. Não adianta criar veículos mais eficientes, verticalizar cidades, propagandear ilusões, mercantilizar o pouco que resta ou imprimir na mente das pessoas de que “a natureza humana é assim” (sobre essa frase eu também já escrevi um artigo intitulado "Instinto, Razão e Intuição: As três inteligências e seu papel na Evolução", Junho, 2014). Isso não resolverá o problema. Problema que uma hora irá atingir até aqueles no topo da pirâmide política e econômica, por não terem mais quem enganar ou explorar. Aqueles que julgam que o sistema político-econômico atual é infalível e deve ter seus problemas resolvidos dentro dos seus paradigmas. É preciso mudar a mentalidade. Dois tipos de utopias.

Muitos alegam que tal disparidade de renda é natural. Que deveria ser visto como um estímulo para os pobres. “Eu posso ser um também, se trabalhar duro.” O problema é que muitos (quase todos) pobres trabalham mais do que duro durante vidas e gerações, e vivem e morrem da forma mais miserável. Seu esforço sustenta um mundo que não reconhece, em sua imensa maioria, essa realidade. Um em cada 40 milhões pode chegar a fazer parte do topo da pirâmide. Supõe-se que esse um “venceu” e se “esforçou”, e que os outros 39,9... milhões “fracassaram”. É sem dúvida uma resposta muito cômoda para quem opera egoisticamente. Ricos, pobres e classe média; Negros, brancos, asiáticos, indígenas; Homens e mulheres; Jovens, adultos e idosos; Feios e belos; Instruídos ou não. Um tipo biológico que busca driblar um problema cada vez mais ameaçador. Se o modo de agir – e a falta do sentir – persistir, chegará um dia em que o problema englobará tudo, cercando todos por todos os lados: esfera econômica, física, cultural, afetiva, social, laboral, na saúde,...e finalmente a humanidade deverá aceitar um colapso e recomeçar do zero (ou quase).

Quanto falta? 20 anos? 100 anos? 50 anos? Não sei. Não sou profeta nem desejo sê-lo (sou incapaz). Mas isso é bem visível. E antes do contra-argumento padrão de que essa é a “minha visão”, peço que observe a fundo a realidade. Nada mais. Mas quando digo a fundo, me refiro a uma observação cuidadosa ao longo dos anos, dos fenômenos e pessoas e meios imperceptíveis. Observe sua própria vida, percebendo o transformismo. O que era julgado ruim no momento se revelou o melhor para você. Pode ter certeza.

A humanidade tem um conjunto de axiomas5. Um dos mais famosos é aquele: “ a natureza humana é assim”, egoísta. Mas quando entramos com os santos, os místicos e gênios somos levados a admitir que o axioma deve englobar todos nós menos esses tipos de seres. E quem sabe o que acontecerá no futuro? A evolução do organismo humano chega ao ápice. Mas o próprio instinto nos diz que sempre tem mais. Cada década que se passa surgem pessoas que apontam numa direção: mente, espiritualidade, consciência, moral, síntese, intuição6. Qualidades imateriais. Independência do corpo para desenvolvimento. Necessidade momentânea do mesmo apenas para manifestação. Porque? Falta de sensibilização nervosa-psíquica, pré-requisito para o início do processo evolutivo que tende a atrofiar o orgânico e hipertrofiar a consciência.

Julgamos pelo economês e pelas experiências passadas, especificas de uma época e povo e ambiente. Esquecemos a investigação abrangente e honesta da filosofia transformadora e o sentimento sincero da fé construtiva. Sem esses elementos nossa ciência se perdeu em teorias e equações e inventos sem finalidades reais. Criamos ilusões para fugir das mesmas, e assim nos afundamos cada vez mais num lodo. Só um detalhe: o desgaste é cada vez maior, e nossa energia é limitada.

Nos entrincheiramos no egoísmo para nos garantir. Todos. E alguns estudam, sofrem e vivem repetidas vezes, e tentam de vez em quando sair e divulgar. Falam o “e se”. Explicam mais profundamente. Revelam ânimo e demonstram como é possível. Paciência infinita no diálogo. Tomam tiros. Balas carregadas de medo (do diferente, das possibilidades). Depois, com mais estudo, dor e vivência, o espírito se torna mais experiente e focado. Seletividade e calma. Calma e seletividade. A tristeza começa a ser mais pelo mundo que não vê seu estado calamitoso do que pela sua vida “mal-aproveitada”. Em pequeno grau. Ínfimo. Mas perceptível para alguns. Claro como água cristalina para Deus.

Não devemos aceitar idéias ou conceitos até esgotarmos nossa capacidade investigativa a fundo. E mesmo que no nível racional-lógico presente tudo se explica, vê-se que isso é falso – como o tempo comprova. O íntimo sempre clamará por mais. O sentimento é o eterno inimigo da ilusão. O conhecimento em excesso leva facilmente ao preconceito, da mesma forma que a beleza deslumbrante facilmente aprisiona e controla as atitudes da pessoa, no seu íntimo. Poucos são os pensadores e cientistas capazes de aliar intenções altruístas com suas ferramentas e métodos avançadíssimos.

Essa visão que apresento está nos antípodas do pensamento corrente. Mas o mesmo não posso afirmar em relação ao sentimento. Mesmo que este tenha pavor de se manifestar ou não saiba como.

O verdadeiro saber estará escondido, encoberto ou sitiado?

Se escondido, será pela nossa insensibilidade em ver a realidade mais íntima. Nossa e dos outros.
Se encoberto, será pelo nosso medo em lidar com essa realidade. Nossa e dos outros.
Se sitiado, será pela nossa falta de crença. Em nós e nos outros.

Evoluir dói.
Mas é o único caminho.

É O caminho.


Notas de rodapé
1http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/01/140120_riqueza_relatorio_oxfam_fn
2http://revistacult.uol.com.br/home/category/edicoes/197/
3http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2014/08/dois-tipos-de-utopia.html
4Noam Chomsky, “o intelectual mais importante vivo” segundo o New York Times.
Ver os primeiros 7 minutos do vídeo https://www.youtube.com/watch?v=D2LNyZ6NNeE
5http://pt.wikipedia.org/wiki/Axioma
6Léon Denis, Amit Goswami, Pietro Ubaldi, Teilhard de Chardin.   

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