segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Um Salto de Fé

O ano finda com a conclusão de um ciclo. E com muitas constatações.

No último dia letivo da instituição onde o autor realiza seus estudos de doutorado, este apresentou o seu trabalho final. A trajetória foi permeada de momentos muito distintos, ora tormentosos, ora tranquilos. Progressos momentâneos - paradas longas. Uma jornada de três anos e meio regada de incertezas, dúvidas e vontades. Um caminho fora do comum, com resultados inexplicáveis. Principalmente considerando-se que a inteligência do viajante se encontra muito mais desenvolvida no campo intuitivo-sintético do que no racional-analítico. 

O resultado final pode ser encarado como um atestado de veracidade do que vem sendo constatado nos últimos (quase) vinte anos pelo autor. 

Essa é uma história longa em seus dramas - curta em seus ímpetos
Sincera em sua busca - astuta em seus pronunciamentos. 
Suave por dentro - feroz por fora. 

Desde o início o ser se apercebeu de que estava dando um salto em regiões ignotas, se propondo a iniciar um processo com duração delimitada, desafios crescentes e incertezas intermitentes. A cada passo que se buscava delimitar um tema, surgiam limitações. Não havia muita ajuda. 

O primeiro passo consistiu em cumprir o que não exigia originalidade. As disciplinas eram feitas. Estudo e dedicação. Nada ao que o nosso protagonista não estava habituado. Sua vida era solidão e trabalho. O que significava dedicação à família (solidão social) e maturação psíquica (trabalho interior). No fundo nada mais lhe interessava. Não se preocupava com os resultados - apenas se envolvia no processo. Com calma ia cumprindo requisitos. O tempo progredia no mesmo ritmo. E em pouco tempo cumpriu as obrigações presenciais. Restava-lhe o desafio de ter uma ideia.

No topo das alturas do mundo, a tranquilidade
deve reinar. É aí - e assim - que se pode fazer
o contato com o Alto.
Durante um ano inteiro essa ramificação da vida ficara estática. Nenhum avanço exterior. No entanto, a mente fervilhava. O que fazer? Como inciar? A quem recorrer? De onde buscar inspiração? Havia inciado algo que julgava estar muito além de suas capacidades. Não sentia a materialização de algo substancial. Mas ainda assim tinha iniciado esse caminho. Sabia que algo haveria de ocorrer, de alguma forma - mesmo que caoticamente. Agradava ao nosso protagonista concluir com proveito tudo que iniciava. 

Em agosto de 2017, num jato, ele escreve um documento de proposta de tese. Elabora a apresentação e anuncia ao seu orientador. Apresenta para uma banca de três (orientador mais dois membros) no mês seguinte. O documento estava pobre, sem detalhamentos, com poucos elementos tangíveis. "Estratosférico", na definição de um membro da banca. De fato estava. Mas não havia nada a fazer: era o máximo de "detalhe" que um indivíduo sem plano esquematizado poderia fornecer. Passou.

Passado quase um ano (junho, 2018), foram feitos alguns progressos. Fazendo tudo por conta própria, com pouquíssimo apoio de qualquer meio terreno, o autor conseguiu fazer um esboço de um trajeto que poderia ser algo relevante. Anunciou seu desejo de adiantar uma defesa preliminar ao orientador. Este, de tão distraído que era, aceitou. Apenas após a data ser acertada que se deu conta de que era uma pré-defesa (e portanto fato muito sério). Mas não havia mais volta. O autor sentia ter dado um salto de fé, se colocando em terreno arriscado. No entanto apresentou e passou. Era início do mês de julho, 2018.

As promessas feitas naquele dia travaram as possibilidades de manobra. As circunstâncias iriam se demonstrar cada vez mais limitantes. Havia uma atmosfera de urgência muito sutil, que o autor sentia com uma intensidade gritante. "Você ainda tem muito trabalho pela frente", alguém lhe disse. Ele tinha plena consciência disso. O processo entrava em sua fase final. 

Os cinco meses seguintes foram um turbilhão exterior combinados com uma perseverança interior férrea. No semestre têm inicio um novo curso de pedagogia - à distância, mas trabalhoso. Soma-se a isso um semestre repleto de aulas, com provas e listas a serem elaboradas e corrigidas; turmas ensinadas; trabalhos sugeridos e marcações de presenças. Turmas e disciplinas distintas, níveis diversos. Isso sem contar as reuniões e demais obrigações institucionais. Mesmo assim manteve-se um ritmo na geração de ideias, que se fincaram como textos no espaço virtual do nosso bandeirante do pensamento e da paixão.

Do início de julho até o final de outubro, não houve um momento de paz. Todas as forças estavam direcionadas para resolver esse problema. Sua meta era defender e ser aprovado até o final do ano. Não tinha nada para isso - exceto a determinação e o sonho. Era o que bastava. Pôs-se a trabalhar. Manhã, tarde e noite. Fins de semana. Feriados. Qualquer momento era usado para mergulhar na resolução de seus problemas. A ajuda do mundo pouco o amparou.

O viajor solitário sempre tem uma centelha de luz
interior que lhe dá segurança no meio das trevas do mundo.
Todos olham de longe e não veem o drama. Apenas quem mergulha nos detalhes da criação percebe a dor tremenda que é avançar em terreno novo. Ler artigos, pensar, reescrever,...Reler e imaginar outros caminhos. Um trabalho solitário - e por vezes ingrato. Mas à medida que avança vão saindo centelhas de luz. Elas vão permeando o documento. Ficam diluídas num mar de descrições. Estão ocultas. Mas está tudo lá, implícito. Porque a ordenação cabia a outro (àquele que deveria orientar).

O início de novembro trouxe um ímpeto sem precedentes. Os avanços começaram a ser além do normal. Houve pressa, mas com o cuidado de não afetar profundamente a produção. Forças externas estavam aumentando sua intensidade. A pressão psicológica causada pela degenerescência do sistema político, capturado por um grupo que encarna a pior das ideologias, se torna cada vez mais uma realidade próxima. Os requisitos estabelecem restrições cada vez mais estreitas. Deve-se fazer muito além da conta - apenas para manter a posição.

A falta de auxílios por parte dos grupos obrigou o nosso protagonista a desenvolver praticamente tudo por si só. Mas ele não era suficientemente preparado para desenvolver algo com tamanho rigor. Mas mesmo assim ele estabeleceu uma meta e se esforçou. Durante cinco meses não houve tempo para respirar. As aulas consumiam suas energias. Desafiavam seus nervos. O novo curso de pedagogia, em seu início, demandava tempo de leitura, reflexão e escrita. Era preciso organizar seu tempo, aproveitar as brechas e resolver o que estava lhe travando.

De forma caótica, foi sendo trilhado o caminho. O principal era organizar o que estava sendo feito, deixar claro o que era seu e o que era dos outros. A formalidade era essencial. Justamente para aquele que tinha um ímpeto de descarregar palavreados que transbordavam de intuição, sentimento e elevação. Um trabalho titânico se restringir às férreas fronteiras do mundo! Para o autor tratava-se de um processo muito laborioso.

No campo racional-científico, ele estava dentre os privilegiados. Uma elite de 1% que tinha as condições culturais, intelectuais e cognitivas. Seus alunos o consideravam inteligente. Mas no mundo em que ele estava pleitando um título (de doutor), ele se via diante da elite da elite. O centésimo do centésimo da intelectualidade, cujo rigor era indescritível. Aí ele era uma simples criatura, cheia de dificuldades. As amarras da formalidade lhe dificultavam o desenvolvimento. No entanto, no mundo intuitivo-sintético, a situação era bem diversa.

Muitos já lhe disseram - com insinuações, indiretamente...com os olhares sobretudo - que era extremamente inteligente. Mas não do modo convencional. Tratava-se de uma inteligência de tipo diverso. Que não deveria ser revelada abertamente às pessoas, sob risco de ofendê-las. Sob o perigo de acharem que se tratava de um ser que, inerme na elite do campo intelectual, queria criar uma justificativa para se eximir do trabalho de se esforçar no plano racional. Não era o caso: o autor se dedicou exaustivamente ao longo do segundo semestre de 2018. Para dar uma coesão ao que estava sendo feito. Era não apenas um esforço, mas uma ânsia de melhoria de qualidades terrenas. Isso lhe movia.

No início de novembro iniciou-se o processo de documentação final. Daí em diante o desenvolvimento seria vertiginoso. A urgência de apresentar seu trabalho até o fim do ano (se possível) era imensa. Desejava terminar um ciclo por sentir que outros estão prestes a surgir.

Um grande alívio numa frente só se dá quando existe uma vontade de continuar a senda do progresso. Àqueles esforçados, que jamais param no acostamento da grande via evolutiva, Deus reserva os acontecimentos mais fantásticos.

Anuncia ao seu orientador a intenção de defender sua tese. Deixa claro e mostra o que foi feito. E começa a preparar tudo para o grande evento. Ensaios, ajustes, esclarecimentos, marcações de data e horário. Tudo feito do modo mais rápido e prático. Conseguiu uma data: 21 de dezembro. O último dia letivo do ano na instituição. Era tudo ou nada.

Após uma longa viagem, chega-se à ilha.
Um lugar com novos desafios. Porque a busca
é infinita neste mundo finito.
Após ensaiar e enviar o documento para os membros da banca, parece que tudo deve correr bem.

Eis que na quarta-feira, antevéspera da apresentação, seu orientador lhe envia uma mensagem de urgência, dizendo para comparecer imediatamente à sua presença. Quando se vê diante do homem, observa um ser impaciente e desesperado. Um dos membros da banca (recomendado por ele próprio) estava questionando a originalidade do trabalho. "Não conseguiu encontrar nada", dizia. Pediu para o autor dizer rapidamente, em poucas palavras, qual era sua contribuição. O autor falou. Ele questionou: "mas eu posso fazer isso dessa forma (descrevia)". "o que há de novo então?". E o autor explicava, pacientemente. Mas o homem estava agitado e se irritava com a paciência de seu orientado. 

"Você me dá um trabalhão. E ainda assim, permanecendo calmo...me deixa ainda mais nervoso!"

O autor ficou um pouco confuso, mas logo se deu conta: o homem estava se deixando dominar pelas circunstâncias. Não tinha uma Fé integral, como seu aprendiz. Este, acontecesse o que devesse acontecer, estava de consciência tranquila. Ele não tinha o que temer externamente, porque sabia que sua fortaleza interna era inexpugnável a esta altura.

Por que tanta tranquilidade diante da ameaça de que dois anos de esforço contínuo pudessem ser jogados por água abaixo?

Primeiro: desde o início o autor deixou claro o que estava sendo feito, e buscou auxílio e conselhos de seu orientados (que não fazia questão de se preocupar).

Segundo: os problemas que surgiram foram enormes, sendo que ninguém - nem sequer o especialista no assunto, que trabalha há 18 anos com o tema numa grande empresa de desenvolvimento de aeronaves - foi capaz de solucioná-los. Daí surgiram várias ideias.

Terceiro: à medida que fazia o trabalho de implementação, iam surgindo ideias para diagramas. Novas sistematizações. Requisitos de processo. Diagramas dinâmicos inter-ferramentas. Lá e cá surgiam chispas de originalidade. Apesar de diluídas num texto ("monumental" e "belíssimo", segundo o próprio orientador, antes de receber a crítica do membro da banca...), estavam lá.

Dessa forma a confiança era total. Quem estava sendo ameaçado de não conseguir o título estava nas profundezas da tranquilidade. Aquele que sofreria um golpe bem menor, tendo uma pequena mancha no nome, estava na crista das agitações das ondas de opiniões alheias. Tamanha era a desproporção - o que demonstrava quem tinha a real percepção das forças do Alto - e como elas funcionavam de fato.

Ambos vão à presença do dito cujo que não via originalidade. Lhe explicam. Ele fica um pouco mais convencido. Ressalta que o autor é prolixo (escreve demais e diz pouco). Ubaldi também é definido assim por muitos. Mas às vezes é preciso despejar muito para transmitir alguma impressão diversa. Cabe ao receptor ter a sensibilidade psíquico-nervosa para captar a ideia fundamental. 

O autor entra e sai tranquilo. O seu mestre entra agitado e sai um pouco mais aliviado. "Viu como as pessoas são diferentes?", diz ao seu aluno, querendo mostrar como imprevisibilidades surgem. O autor observava tudo de forma muito serena.

Milagre não se espera - se cria!
(Miracolo non ci aspetta - si crea!)
A Lei permeia tudo. Sempre está aí. Resta a nós
criar a condição ideal para sua atuação.
Na sexta-feira ele comparece ao local acordado. Abre a sala e liga sua máquina. As pessoas vão chegando. Nos momentos que precedem o grande evento, o nosso protagonista responde algumas perguntas feitas pelo orientador direcionados a alguns membros. Era o teatro para tranquilizá-los. Ou melhor...para tranquilizar o próprio orientador...

A apresentação se deu sem nervosismos. O passo final era receber as críticas. Essa segunda etapa foi mais formidável.

O confronto entre o velho mundo, consolidado, sistematizador e formal; e o novo mundo, sincero, sério, intuitivo e impetuoso, ainda sem as forças terrenas plenamente maduras para se colocar como força séria, era evidente. Não se tratava de vencer alguém, mas de mostrar que desenvolvimentos diversos eram também válidos.

Num momento as críticas são rebatidas. O autor justifica o porquê de certas escolhas, deixando no ar a dúvida do real sentido de certas formalidades engessantes. Há uma linha muito tênue entre ideal e mundo, que se rompida poderia significar a queda de um único ser: o aluno. Mas este jamais desrespeita ou deixa de acatar sugestões. Apenas quer compreender.

Toda sua vida vem sendo uma tentativa titânica de agradar aos outros. Evitar conflitos. Mas sem jamais dobrar seus princípios, seu modo de ser. Como sua natureza era extremamente diferenciada, tratava-se de um equilíbrio fora do normal. As habilidades deveriam ser imensas, e operar em conjunto com uma paciência enorme e uma criatividade sem igual.

Foram quatro horas dentro de uma sala. 1 de apresentação - quase 3 de questionamentos e observações. Finalmente, sai da sala como mestre e volta, meia hora depois, como doutor.

O que se apreende daí é que a Lei de Deus é uma realidade positiva, que atua de forma invisível e sutil. Logo, a graça é do Criador - o esforço da criatura. É mister haver os dois. Uma co-participação intensa e duradoura garante que as forças do Alto conduzam o processo e providenciem o necessário ao filho que se esforçou, crescendo em várias direções - mas jamais se esquecendo de que tudo já está decidido no em outras regiões.

Foram dados vários saltos de fé. Em momentos cruciais, o autor teve a coragem de se expor. Teve a sinceridade de ser transparente. Teve a seriedade de compreender a trabalhar no regime do mundo. Teve a inteligência de mergulhar nas intuições e traduzi-las em algo sistematizado, formal, reconhecido pelo mundo.

Essa é uma história de vitória relativa. Uma vitória que se consome, diminuindo-se para preparar criações maiores, mais majestosas e integradoras, em campos não explorados. Uma história sem início nem fim no nosso universo físico, preso às dimensões do espaço-tempo. Uma trajetória sem igual, que cada vez mais se vê em sua pequenez - e por isso se torna mais obediente ao Alto. O devenir de um espírito que tem pressa em se transformar, com o desejo de se consumir na horizontalidade das quantidades para se potencializar na verticalidade das qualidades.

Para quem vê o infinito e já o sentiu através de sua vivência na dor e incertezas mundanas, todas derrotas e todas vitórias são relativas. Ambas, adequadamente encaradas e aceitas em sua real ordem de grandeza, ajudam o Ser a evoluir. 

Quando o mundo começar a perceber a realidade do espírito, tudo irá mudar - efetivamente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário