sábado, 27 de março de 2021

O que é escravidão?

Nos últimos dias ando assistindo aos vídeos do Daniel Kaltenbach no YouTube. Estou prestes a terminar o curso "O Despertar da Consciência", dividido em dez aulas (mais uma introdução). Ele é claro, profundo e prático. Mostra como todas as grandes questões dos livros sagrados se relacionam com o nosso quotidiano. E não precisa usar slides: simplesmente dá uma aula cara-a-cara. E prende a atenção. Do começo ao fim. Muitos dos assuntos abordados se relacionam com a obra de Pietro Ubaldi e com os pensamentos de Huberto Rohden - além, é claro, com os conceitos da doutrina espírita. 

Vamos ao tema: escravidão. 

Eu não quero tratar o tema em seu sentido restrito, isto é, a escravidão tal qual a reconhecemos. Uma escravidão de forma, de superfície, de definições formais. Gostaria de adentrar em seu aspecto mais profundo, tal qual aquele abordado pelo Kaltenbach. 

Fig. 1: As balas que nos atingem enquanto dermos falso valor a cada uma delas. 
Acordando para a realidade, paramos as balas e vencemos o mundo.
Cena do filme Matrix (1999).

Eu já tratei essa questão alhures [1]. Mas estava em meus primeiros escritos. Desde então adquiri uma visão mais precisa sobre o fenômeno. Detalhes foram incorporados aos meus conceitos. Naquele ensaio eu demonstrei que as três formas de trabalho associadas à geração de riqueza (escravidão, servidão e assalariado) eram no fundo basicamente idênticas: todas eram exploradas de um modo ou de outro. De tal forma que no fundo se tratava de uma escravidão que foi mudando de forma de acordo com as circunstâncias (arranjos sócio-econômicos e tecnológicos). 

De forma geral, na Antiguidade tínhamos o modo de produção baseado na escravidão; na Idade Média, a servidão; e na modernidade (até hoje), o assalariado. Essas formas se mesclam até mesmo hoje. Mas em todas houve sempre exploração do homem pelo homem.

Muitos crêem que escravidão seja algo relacionado a correntes, chibatadas, castigos e controle total sobre corpos. Mas esse é apenas um aspecto de forma. A escravidão pode ser financeira, psicológica (emocional e mental) e econômica. É a exploração de tempo, de energia, de conhecimento, de recursos dos outros. 

Qualquer ato em que alguém (ou um grupo ou uma nação ou uma civilização) tenha a intenção de usar a energia do outro para que a sua seja poupada é um ato de exploração. E toda exploração implica em escravizar (o outro). E isso não se dá apenas na forma mais concreta, física - apesar das consequências finais da exploração pipocarem em efeitos bem concretos. Ela se dá através de leis, emendas e decretos que sufocam possibilidades; através de regras de conduta adaptadas a um determinado nível evolutivo; através de narrativas midiáticas incompletas que beneficiam particulares; através de culturas e valores impostos ao longo do tempo; através de gritos e barulho; através de diferenciações absurdas e equalizações insanas.  Ou seja: a escravidão sempre reinou em nossa História.

E por que escravizamos? Daniel explica o porquê: medo

Medo de quê? Medo de haver carência para nós e os nossos. Carência de tempo, de recursos, de energia. Pois esse medo que tanto nos assola acaba infernizando nossas mentes, e acabamos por deixar aflorar os instintos mais baixos - mesmo que através das leis mais elaboradas; dos atos mais perfumados e das mudanças mais insípidas.

No ser humano desperta o intelecto luciférico. Lúcifer significa de portador de luz. Aquele que possui a razão. Com ela desenvolvemos muitas coisas. Crescemos, progredimos. Criamos a ciência, as tecnologias, as organizações políticas, as cidades, os povos, as civilizações, os impérios. Filosofamos. Mas sempre o fizemos de modo deficiente: uma conquista sempre trouxe um novo modo de explorar, mais elegante e (pasmem) eficiente. O mesmo vale para os novos modos de produção. 

Fig.2: As abelhas encontraram a forma de organização social perfeita. 
O indivíduo vive em função da coletividade - a coletividade ampara o indivíduo.

Quando a Inglaterra aboliu a escravidão em suas colônias, e com seu poder ultramarino e industrial forçou as outras potências a extinguirem o tráfico de escravos, ela não estava pensando em direitos humanos. Seu pensamento era mais do tipo: "Poxa! Com todas essa tecnologia da Revolução Industrial nós estamos produzindo muito e barato. Mas precisamos de pessoas para produzir (operários) e consumir (mercado consumidor). Do modo em que o mundo está arranjado isso vai ser muito difícil...Vamos impor um novo modo de produção. A gente tem a força!" E assim a escravidão da forma se plasmou na escravidão das fábricas - que depois se tornou a escravidão dos escritórios. Mas ela se estende a todas relações entre humanos e entre humanos e outras espécies.  

É claro que a abolição da escravidão foi um progresso sem igual (apesar de todas intenções luciféricas inglesas, que o mundo 'desenvolvido' logo se pôs a seguir assim que se deu conta). É assim que o mundo progride: por avanços na forma. Mas cada salto desse tipo elimina a margem de manobras da mente que tudo deseja dominar (isto é, explorar), forçando-a a lidar cada vez mais com a questão central: quando a escravidão irá ser abolida em sua substância? 

Um belo filme mostra o movimento que iniciou com o fim da escravidão no Império Britânico. O que me atraiu no filme é o seu personagem principal, William Wilberforce [2], um aristocrata inglês riquíssimo, com influência no parlamento, que dedicou sua vida a acabar com a escravidão e o tráfico de negros. Não apenas isso, possuía um senso religioso dos mais elevados, e se dedicou a combater todo tipo de injustiça e crueldade. Era vegetariano também (algo inconcebível para esses tempos). Sua intenção era das mais puras. 

AMAZING GRACE (2006)

Nossa História é permeada de sentido quando somos capazes de perceber as chispas de luz que causaram os impulsos mais significativos. Impulsos estes que acabaram por se difundir e criar um contexto menos árduo e mais apto ao despertar da consciência. Nós somos os herdeiros desses gênios, santos e heróis. E para honrá-los, devemos apenas aproveitar o melhor possível nossas vidas, nos transformando em co-criadores nessa jornada evolutiva. Demos usar os recursos e condições - conquistados com sangue e suor no passado - para continuar essa jornada. Porque a finalidade da vida é evoluir. É evoluir, evoluir, evoluir...

Voltando à escravidão..

Somos a espécie em que o intelecto desperta. Não apenas percebemos o ambiente com os sentidos, mas estabelecemos relações de causalidade entre os fatos. Sabemos que a semente é uma árvore em potencial - e que a árvore é uma semente que se desenvolveu plenamente. Mas esse saber não é sabedoria. Ele é conhecimento, sistematização, análise. Ele estabelece relações. Ele depende de contrastes para atribuir conclusões. Em suma: nosso nível de consciência, humano, opera baseado no mundo relativo. Com a evolução, iremos superar o método presente, nos lançando para um mundo inimaginável ao intelecto. Esse mundo é o mundo da intuição.

Quando somos capazes de perceber as verdades nos pólos (contraditórios), realizamos a unificação. Nem A está absolutamente certo e B absolutamente errado - nem vice-versa. A e B possuem cada um uma parcela da verdade. Pode ser até que um possua uma parcela um pouco maior. Mas a questão é que nenhum dos dois está totalmente equivocado em sua lógica. Esse tipo de método, que denomino método da unificação, da síntese, é aquele capaz de erradicar a escravidão.

Como já sabemos, nossa espécie tem uma espécie de tara por acumular. Desde o tempo das cavernas, quando nossos ancestrais caçavam e coletavam, vivendo no perigos e da ignorância, o instinto humano, coordenado com o intelecto, sempre foi o de garantir (para) o amanhã. 

Não basta matar o mamute, comer parte dele e deixar o resto para a natureza dar conta dele. Os animais matam e comem o suficiente para satisfazê-los. Em seguida deixam a presa morta e vêm outros e degustam outras partes. E assim por diante, até sobrar muito pouco e os vermes do solo realizarem o magnífico trabalho de decomposição orgânica, reabsorvendo os elementos que são seus nutrientes - e assim perfazendo uma das facetas da Lei de Deus, que é o princípio da renovação contínua e incessante.  Como se vê, os animais, inconscientemente, sabem que tudo no Universo funciona de modo sistêmico - e por isso não se preocupam em largar o que obtiveram, pois sabem que amanhã sempre haverá mais. 

O que aprendemos com isso?

Quando você busca apenas o suficiente para satisfazer seu nível de possibilidade evolutivo, não há necessidade de temer o futuro, pois sempre nos será fornecido mais, de acordo com as nossas necessidades. 

A humanidade jamais operou a partir dessa lógica. Houveram poucas exceções que viveram de tal forma. Denominamos tais criaturas de santos e místicos. Há até um bom número de indivíduos que vivem uma vida mais equilibrada, baseada mais no necessário do que no supérfluo. São pessoas que enxergaram uma assíntota no crescimento material e intelectual, e buscam vetorizar em outras direções. Se contentam com um carro simples (se precisam); buscam alimento saudável mas não absurdamente fora de seu orçamento; se contentam com o espaço e o conforto necessário para realizarem sua missão de vida. Assim, podemos dizer que são pessoas orientadas para a eficiência (chegar com menor dispêndio possível). E para a eficácia (chegar aonde querem). E efetividade (chegar aonde quer da melhor maneira possível). 

Em suma:

Efetividade  = Eficiência + Eficácia

De tal modo que podemos simplificar: seres ligeiramente mais conscientes são mais efetivos do que a média. E isso contribui para todo o planeta.

Se fôssemos mais orientados para a efetividade, teríamos menor necessidade de explorar o outro.
Se explorássemos menos o outro, causaríamos menos rancor no mundo.
Com menos rancor, há menos caos e mais paz interior.

De modo que adquirir consciência (do necessário, do realmente importante) nos dá meios de melhorarmos a situação planetária sem necessariamente nos engajarmos em batalhas coletivas. 

Se precisamos de menos do mundo, seremos mais livres do mesmo. Estaremos menos dependentes de salário, de aprovações sociais, de rendimentos financeiros, de coisas que tem início e fim. Isso dá uma paz interior indescritível. E com paz no coração, podemos nos lançar com todo ímpeto a reinos desconhecidos, desbravando universos que não são nem grandes nem pequenos, nem breves nem longevos. Adentramos em universos imateriais, reino do infinito e da eternidade. O foco não será mais explorar/escravizar o outro. Pelo menos não será mais prioritário.

Escravizamos o outro quando:

 - Buscamos pagar o mínimo possível para alguém que executa um erviço útil;
 - Procuramos consumir bens alienantes e inúteis;
 - Deixamos de nos pronunciar a respeito de questões centrais;
 - Procuramos abandonar os locais "ruins" em busca de locais "bons", alegando que lá as pessoas são melhores;
 - Não percebemos a profundidade da palavra 'escravidão';
 - Vivemos em função da acumulação;

O medo de não ter alimento; de não ter casa; de não ter companhia; de não ter emprego; de não ter bens...o medo de não ter nos torna exploradores.

Vivendo com esse mindset (para usar um termo anglo-saxônico popular por essas bandas) não nos moveremos um passo. O novo mundo de regeneração exige que vivamos de acordo com novos princípios e valores. É imperativo impedir o domínio do medo.

Temos medo sim. É natural. Mas ele não pode nos paralisar. Nossos sonhos mais elevados não podem ser sufocados por causa de temores que uma lógica social aprendeu a impor a si mesma. 

Não deixando esse temor me paralisar, progredi na vida. 

Sempre foi assim. E agora percebo cada vez melhor que existe um princípio muito profundo governando o universo. Em todos momentos, em todos locais, de várias maneiras. É um princípio que, se for tudo como base de vida, pode nos dar a chave para salvar a nossa civilização e dar uma um passo nessa imensa esteira evolutiva.

As balas que nos atingem enquanto dermos falso valor a cada uma delas. 
Acordando para a realidade, paramos as balas e vencemos o mundo.

Continuarei vivendo, constatando e sistematizando.

TERRA: O PLANETA DA ESCRAVIDÃO ESPIRITUAL 

com Daniel Kaltenbach

Referências:

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