Muitos
são os motivos que me levaram a gostar dos filmes de Ingmar Bergman
[1]. A fotografia é belíssima; os personagens são profundos e
reais; os roteiros são densos e captam o essencial; o
desenvolvimento da história segue o ritmo dos personagens;... Mas
sem dúvida o maior deles é a coragem que este diretor sueco teve de
revelar em todos – ou na maioria – de seus filmes a questão da
INCOMUNICABILIDADE entre os seres humanos.
O Eclipse, de Antonioni. Piero (Alain Delon) e Vittoria (Monica Vitti) tem um romance anormal, tipico de uma era caótica. |
A
dificuldade que nossa espécie tem em repassar suas ideias e
sentimentos para seus semelhantes é sem dúvida uma das maiores
causas dos conflitos bélicos e econômicos que permearam nossa breve
(e violenta) história. Falo isso baseado nas leituras que venho
fazendo [2], nas reflexões dos
últimos dez anos e nas observações que venho feito dos fenômenos
sociais, culturais, afetivos, políticos e econômicos.
Não
apenas temos dificuldade de fazer uso adequado e ter uma interpretação
judiciosa das palavras que emitimos e recebemos, como possuímos um
medo imensurável de, mesmo possuindo toda capacidade, estabelecermos
uma comunicação SINCERA com o semelhante. Isso vale no campo
social, no afetivo, na exposição de uma ideia que possa salvar uma
comunidade – ou melhorar o desempenho de uma empresa – ou
situações do tipo. Quem perde com isso somos nós e os outros. Ou
seja, TODOS.
Não
vejo outro modo de começar a resolver esse problema do que nos
arriscarmos mais (dentro de certos limites) no nosso cotidiano.
Bukowski
– um escritor cuja vida desregrada só era superada pela sua sinceridade e maestria em tocar nos pontos certos – disse certa vez num de seus
livros que
“gente
demais é cuidadosa demais. estudam, ensinam e fracassam.”
Bom,
acredito que ele não estava se referindo àqueles e àquelas que
ensinam, e sim a todas pessoas que percebem o mundo (estudam), agem
conforme essa percepção (ensinam) e no entanto são incapazes de
aumentarem a sua felicidade (fracassam) em função dessas duas
primeiras. Por que? A meu ver trata-se de um excesso de cuidado ao
lidarmos com o outro.
A Noite, de Antonioni. Lidia (Jeanne Moreau) e Giovanni (Marcello Mastroianni) são um casal exausto de si mesmo. |
Do
meu ponto de vista – e baseado em tudo que venho observando e
sentindo – a frase de Bukowski tem uma imensa profundidade e pode
ser uma das chaves para melhorarmos nossas relações.
Ter o
cuidado de não se intrometer na vida dos outros é ser um sinal de
civilidade. No entanto, o excesso dessa não-intromissão pode nos
levar a podar potenciais oportunidades de crescimento e pontes.
Nós,
seres civilizados nos costumes, nos habituamos a exercer
características de respeito ao próximo, nos desviando de qualquer
tema que gere debates mais acirrados ou de qualquer observação ou
início de conversa que possa incomodar terceiros – mas vale
ressaltar que essa civilidade, apesar de boa, ainda é superficial e
tem uma intenção mais focada na FORMA do que na SUBSTÂNCIA. No
entanto, parece que muita gente tem levado isso tão a sério, que o
fato de serem pessoas que não causem nenhum tipo de incômodo no seu
entorno, ao mesmo tempo perdem OPORTUNIDADES fantásticas de
estabelecerem amizades e contatos e aprenderem coisas (e quem sabe
mais) desse mesmo entorno. Tudo por um motivo que – a meu ver –
no fundo tem um quê de egoísmo, porque objetiva não “sujar”
sua imagem sendo “chato”. Ou buscar os prazeres IMEDIATOS.
Ingmar Bergman (1918-2007). |
Aplicando
em todo seu entorno essa filosofia de vida descrita no parágrafo
anterior, acabamos nos ilhando do resto do mundo. As diversões são sempre as mesmas, as variações são muitas nas formas e nenhuma na substância. Só o incômodo e a dor salvam. Mesmo que a ilha seja relativamente grande e pareça ser
auto-suficiente, será que isso de fato é verdade? E como muitos
pensam assim, tudo aparenta estar em harmonia. Mas vendo mais a fundo
é possível desconfiar que essa “harmonia” talvez seja uma
pseudo-harmonia. Eis o ponto preocupante que queria tangenciar.
Existe,
a meu ver, um modo simples e indolor para iniciarmos uma nova
filosofia de vida que nos possibilite (quem sabe) buscar uma
felicidade SUSTENTÁVEL. Esse método consiste simplesmente em,
quando houver a oportunidade, colocar esse tema em pauta. Sem medo,
mas com a melhor das intenções. Para isso é essencial que pessoas
com mais possibilidades (estudo, recursos, tempo e percepção)
comecem a dar os passos iniciais rumo a essa aproximação universal.
Mesmo que a trajetória inicial exija GRANDE ESFORÇO. Porque quanto
maior o conhecimento, maior a responsabilidade.
Não
sei se estou fazendo do modo certo, mas creio que, nas minhas
condições materiais, possuo uma responsabilidade considerável de
repassar esses pensamentos da forma mais acessível possível, sem
deixar escapar os conceitos fundamentais. Portanto, acredito estar
cumprindo – se não total, pelo menos em parte – uma parte de
meus deveres para com a Lei universal que rege tudo e todos.
Referências
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