Quando
eu estava no colegial nada me deixava mais desanimado do que estudar
literatura. Não pelos professores (que eram muito bons e legais),
mas simplesmente porque o ensino dessa disciplina se limitava ao
âmbito e cultura nacional, cujos temas freqüentemente abordavam
questões que eram consideradas de interesse nacional. No entanto - e
aí já reside a primeira contradição de tal pensamento - toda obra
de Arte deve ser universal, transcendendo quaisquer barreiras
culturais ou territoriais. Caso contrário existe risco em se afastar
potenciais leitores, divulgadores e (mais grave ainda) escritores.
John Fante (1909-1984) |
A minha
aproximação com a literatura se iniciou justamente quando eu me
encontrava mais distante da mesma e menos estimulado a buscá-la: nos
últimos anos da faculdade de engenharia. E um dos autores magnéticos
que me fizeram mergulhar de corpo e alma nesse desconhecido mundo foi
John Fante.
Quero
deixar claro que não quero fazer "chover no molhado"
repetindo a incrível homenagem feita por Bukowski a Fante, que está
registrada na introdução daquela que talvez seja sua obra mais
famosa, "Pergunte ao Pó". No entanto, gostaria (também)
de prestar minha homenagem a esse escritor feroz, simples e bem
humorado, que em sua pobreza material encontrou toda matéria-prima
para criar sua riqueza literária.
Bom, a
primeira coisa que aprendi com a leitura é que autores afins estão
ligados. Eles geralmente fazem referências a seus colegas mais
próximos. É simples. Após você começar a conhecer um deles, vai
perceber que logo existe uma fonte inspiradora por trás. Um leva a
outro, e assim sucessivamente. Foi assim que conheci John Fante.
Eu
estava lendo um livro de Bukowski - não me lembro qual. Num trecho
desse livro, ele estava sendo entrevistado, e a pergunta sobre o que
o levou a ser escritor e quais os seus autores preferidos foi feita.
"John Fante", ele disse. Um cara com coragem, que não
enrola. "As palavras me perfuravam.", disse o velho Buk
quando abriu pela primeira vez o famoso "Pergunte ao Pó".
E é realmente esse o efeito da escrita de Fante. Seus livros são
fáceis de serem digeridos e dizem tudo que precisa ser dito.
Exprimem os sentimentos mais íntimos do autor e seu universo,
transformando todo seu mundo pobre numa arena fascinante. Parece que
toda vida do mundo está acontecendo dentro de seu quarto de hotel
barato e suas redondezas. O efeito é magnetizante. E assim as
páginas correm. Uma após outra, numa espiral de suspense e
descobrimento que não se finaliza com a última palavra nem com o
último parágrafo nem com o último capítulo.
Em John
Fante nunca existe ponto final. Sempre há algo a mais a ser dito.
Pelo menos essa é a sensação que ele nos deixa ao finalizar seus
livros. Como se ele próprio soubesse que não será ele - nem nenhum
de nós - que dará a palavra final. Isso o eleva, deixando as portas
do universo da imaginação abertas para o leitor. Seu interesse não
é propriamente a escrita. É a vida. A vida real. A magia nas
sutilizas desta. E a escrita foi a (melhor) forma que ele encontrou
de retratar tudo.
Corroído
pela diabetes, perdeu a visão e os membros inferiores nos últimos
anos de vida. Mas a mente estava intacta, e assim continuou
escrevendo, ditando as palavras que lhe vinham à cabeça para sua
esposa, Joyce.
Um dos
melhores autores do século XX, Fante retratou a vida das pessoas
comuns. Sem enrolações. Direto. E artisticamente. Fui salvo por
esse cara. A loucura estava prestes a me dominar e eu tentava
encontrar um refúgio naquele último ano de faculdade. Prateleiras e
prateleiras de livros. Séculos e séculos de autores não foram
capazes de dialogar comigo. Eram todos muito cuidadosos no estilo -
assim como os personagens. Parece que as atitudes deles eram todas
calculadas. Como se tudo fosse uma enrolação. 90% da trama se
resumia a coisas que não precisavam ser ditas. Muitas palavras,
pouca emoção. Mas felizmente, quando estava prestes a ser vencido pelo cansaço, surgiram alguns caras que me resgataram. Um desses caras foi John Fante.
Finalmente
pude dizer com toda sinceridade: "Aí está um cara que SABE
escrever!"
(P.S.: Leiam a dedicatória de Bukowski a Fante na edição da editora José Olympio. É fantástica!)
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