Muitos
de nós ainda reproduzem um modo de vida baseado em fórmulas antigas
que se aplicavam a um mundo mais simples – mas não menos sofrido!
– com pouca interconexão entre as pessoas. Um mundo mais lento, no
qual poucos tinham acesso a muito e muitos tinham acesso a pouco. Mas
esse modo de vida, que eu chamo de unidimensional, vem caindo em
desuso cada vez mais. E as pessoas começam a sentir e perceber isso.
Explico melhor.
Como
encaramos o “trabalho”? (ainda). Encaramos o “trabalho” como
uma atividade remunerada que – teoricamente – deve gerar o bem
geral da sociedade e de seu executante. E também como algo bem
definido. Se não no espaço, com certeza no tempo. Isto é, temos
cercas e muros cronológicos que definem quando estamos realizando
essa atividade ou não. Mas sabe-se muito bem – e cada vez mais –
que existem verdadeiros e grandes furos nesse muro que separa a vida
pessoal e o trabalho. E como o sociólogo italiano Domenico de Masi
teoriza, – assim como muitos outros antes dele – o natural seria
que uma permeasse a outra. De preferência a vida pessoal com maior
intensidade (já que temos cada vez menos oportunidade de
desenvolvê-la). No entanto, vemos um fluxo unidirecional no sentido
trabalho-pessoa...
Certa
vez, quando era estudante na faculdade e estava no ônibus, ouvi um
moço dizer para uma antiga colega que não via há muito tempo que
“não tinha tempo para fazer as coisas mais”, porque só “passou
a viver o trabalho”. Isso me horrorizou de tal forma que não pude
deixar de imaginar a miríade de habilidades e vivências que este
jovem rapaz estava renunciando apenas por motivo de sobrevivência e
inserção nesse mercado: convívio com os vizinhos, com os filhos,
com a esposa, com os amigos, estudos, passeios, reflexões, natureza,
arte, cultura,...Tudo reduzido ao máximo possível em troca de um
meio de sobrevivência. Como se as atividades das quais ele abdicou
para ter esse “trabalho” tivessem um papel secundário em sua
vida – e na vida de todos nós.
Percebi
que em nossa sociedade ainda é muito comum casos como o desse rapaz.
Pessoas que poderiam ser e produzir muito mais (para a sociedade, e
não para uma elite) mas que são impossibilitados disso em virtude
de uma conjuntura econômica que preza pela produção e consumo
desmensurados. A justificativa daqueles que apoiam e defendem esse
modo de vida é a de que esses são os únicos meios para se atingir
um verdadeiro estado de felicidade. Bem...estudando a história de
nossa civilização, especialmente da Revolução Industrial até os
dias atuais, me dei conta de que essa lógica realmente se aplicava
bem ao nosso mundo. Especialmente após a introdução de uma série
de tecnologias no campo da comunicação e transporte, que
possibilitaram a difusão do conhecimento (mas não necessariamente
sua democratização) e permitiu a ascensão sócio-cultural de
indivíduos pertencentes a classes não “nobres” – desde que
esses cumprissem o novo papel de trabalhadores da indústria. Mas
como vivemos num mundo dinâmico – e que tende ao melhor no longo
prazo – esse modelo parece se aplicar cada vez menos ao nosso modo
de vida.
O
indivíduo, assim como a humanidade, evolui por etapas. Nunca vi algo
se dar de outra maneira. Seja na Natureza ou na Humanidade. E começo
a sentir que o mundo industrial, na qual a pessoa passa grande parte
de sua vida útil trabalhando em uma especialidade, está começando
a ruir para dar lugar a um novo conceito de trabalho e,
consequentemente, relações interpessoais. Nesse novo mundo, as
pessoas terão oportunidades experimentar e desenvolver suas
potencialidades em diversas áreas. E – melhor ainda – terão a
oportunidade de criar um genuíno interesse por atividades que a
princípio consideravam inúteis, mas que devido ao tempo e energia
disponível, poderão exercer seus dotes de exploradores.
Bertrand
Russel dizia – e ainda diz acredito – que uma pessoa tende a ser
mais feliz à medida que se torna capaz de se interessar por
atividades “inúteis” ou não-práticas. E que quanto maior o seu
leque de conhecimento ou curiosidade por conhecer, menores as chances
de você se entediar e maiores as chances de superar uma depressão
ou perda de um ente querido ou uma demissão ou separação ou
acontecimentos do gênero. E vivendo e observando as pessoas posso
afirmar com segurança de que essa teoria parece ser uma lei da
natureza humana. Porque a pessoa capaz de transitar em diversos
campos e – principalmente – perceber uma interconexão entre eles
tende a ter uma visão global de tudo que acontece em sua vida e na
vida dos outros. Consequentemente, se na alma de alguém havia ódio
por um grupo, classe ou indivíduo, essa repulsa tende a diminuir, ou
mesmo se anular. Unicamente devido a essa percepção mais ampla do
Universo.
O
mundo muda constantemente. As pessoas também. E as relações entre
elas.
Um
indivíduo que possui apenas uma ferramenta para sobreviver numa
sociedade diversa terá sérias dificuldades de transitar por essa
sociedade e não compreenderá as diferenças, tentando enquadrar
todos fenômenos que ocorrem no mundo sob o prisma de sua ferramenta.
É um ser unidimensional, que viverá uma vida unidimensional. Já
quem possui diversas ferramentas (ou a vontade de adquirir
habilidades em adquirir outras) tem grandes perspectivas em lidar
melhor com os pequenos e grandes problemas que a existência com
certeza vai lhe oferecer. É um ser multidimensional, capaz de operar
em vários campos.
Em
suma, devemos expandir nossos horizontes, moldando-os sempre que
possível. Sempre. E para isso, jamais devemos ter vergonha de sermos
donos de uma vontade sobrenatural. Só assim alcançaremos o
desenvolvimento que tanto almejamos em nossas vidas.
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