Uma das
obras mais marcantes de toda História humana não poderia ignorar as
questões mais fundamentais de nossa espécie: a justiça, a busca
pela paz interior e a capacidade de mudança da mentalidade humana.
Essas questões são cumpridas e desenvolvidas com louvor na mais
célebre obra de Victor Hugo, “Os Miseráveis”.
Jean
Valjean é um personagem atemporal e universal. Daí a sua
imortalidade e a admiração causada pela sua pessoa,
respectivamente. Se trata de uma figura marcante não só na
literatura, mas também por todos aqueles que estudam artes, ciências
humanas ou sentiram necessidade de identificação com uma pessoa
próxima à sua realidade.
"Os Miseráveis", de Billie August (1998) |
Após
ser preso por ter roubado um pão (sim. um pedaço de pão!) para
alimentar sua irmã e seus sete sobrinhos passando fome, Valjean fica
19 anos preso – cinco por ter roubado o pão e o restante por suas
inúmeras tentativas de fuga. E quando acaba por ser libertado, é
constantemente rejeitado por todos, que se recusam a lhe oferecer
qualquer possibilidade de reinserção na sociedade por ter sido um
ex-presidiário (uma situação muito familiar ao nosso “desenvolvido
e ordenado” Estado de SP...).
A grande
guinada na vida desse troncudo ex-detento se dá quando é acolhido
por um benevolente bispo (Bispo Myriel) – um cristão
no verdadeiro sentido da palavra. No entanto, apesar de se mostrar
grato pela hospedagem, Valjean rouba-lhe os talheres de prata à
noite e foge. Quando na manhã seguinte os policiais o capturam e o
levam à presença do bispo, este, ao invés de puni-lo, salva o
homem alegando que a prata foi dada de presente. E após essa
promessa o bispo “lembra” da promessa (que Valjean não se
lembra) de que ele se tornaria um bom homem após esse ato de
bondade.
Após
mudar seu nome e se tornar um próspero industrial e prefeito de uma
pequena vila francesa, vemos um novo homem. No entanto, o seu maior
pesadelo continua e continuará lhe perseguindo, independente de sua
melhora ou não. É uma luta eterna e intensa. Um pela captura, outro
pela paz. E ambos vão usar todas suas forças para atingir seus
objetivos. É aventura, suspense, drama e comédia.
Valjean
é um personagem fictício mas factível. Ele é uma síntese dos
instintos mais fundamentais do ser humano e ao mesmo tempo das
virtudes mais sublimes como perseverança, honestidade, lealdade e
trabalho. Ele é pura vontade. Pura busca pela melhoria interior. E
talvez por reunir características tão sobresalientes ele se torna
alvo de um dos mais rígidos, metódicos e incorruptíveis
personagens da literatura mundial: o inspetor Javert.
Me
lembro de ter assistido no cinema a versão do diretor Billie August
em 1998. Tinha 13 anos, mas apesar disso fiquei maravilhado com a
riqueza de cada cena. O impacto dramático capturado pelos atores e
pelo diretor foi ímpar. Melhor mesmo só lendo a obra – que ainda
não tive a ocasião de ler.
A luta
de Jean Valjean é a luta de todo ser humano que busca se melhorar. É
uma luta sem fim e árdua e cheias de obstáculos.
Mas o
desfecho da obra é o que ela tem de mais glorioso. Vemos aí o
clímax do suspense, seguido por um verdadeiro milagre aos olhos de
Valjean. O Bem praticado por ele tão perseverantemente (a tudo e a
todos) ofuscou a ignorância de Javert, resultando na verdadeira
libertação de ambos: de Valjean da perseguição e de Javert de sua
mentalidade rígida.
Dificilmente
a humanidade será capaz de produzir uma obra mais sublime do que “Os
Miseráveis”.
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